O começo do mangá de Rumiko Takahashi já dá em poucas páginas toda a dinâmica de sua história. Ranma e seu pai são guerreiros nômades que estão treinando na China em meio a poços amaldiçoados, onde ambos caem virando assim o pai, um panda, e seu filho uma menina, logo depois eles vão para a casa da família de Akane sua prometida em casamento para manter o dojo da família vivo. Com ambos os personagens se rejeitando logo de cara, se configura tudo que vai vim pela frente.
Interessante pensar estruturalmente o mangá da Takahashi como uma comédia romântica onde ela brinca com as diversas facetas do gênero das artes marciais, muito a partir de seu estilo de desenho que lembra muita mangas da demografia shoujo onde essa aparente contradição entre o belo e vistoso da demografia se mescla com todo o imaginário de artes marciais dentro do mangá.
Partindo dessa estrutura, o que vemos a frente é Akane e Ranma enfrentando diversas situações de seu cotidiano a partir da fórmula “monstros da semana”, porém sempre imbricado com as relações que esses personagens têm com seus amigos e futuros amigos no caminho. Por ser uma comédia romântica, existe uma série de sacadas que a mangaká usa para criar o seu humor, e entre elas a mais destacada na minha visão e a brigadeiros com os gênero narrativos e os gêneros sexuais mesmo, principalmente com a figura de Ranma e seu lado mulher e Akane que é todo tempo taxada de menina “machona”. São essas contradições no texto e na iconografia dos personagens que gera todo esse clima do romance.
Ranma que não consegue enxergar traços femininos em Akane e ela enxerga nele um menino extremamente convencido e arrogante. O atrito entre os dois aos poucos, o que era repulsa, vai mudando para um romance não declarado. Isso fica bastante evidente quando se olha para os “possíveis” parceiros de cada um que Takahashi coloca ao longo da história. Assim como em mangas de romance existe aquela configuração que se baseia em quem o protagonista vai escolher como namorada, aqui também tem essa lógica do “harém”. Entretanto, é interessante como a autora vai utilizando esses personagens à volta do casal para testar a relação e o amor um do outro, principalmente a partir da comédia, onde de ambos os lados tem gente querendo se casar com ambos, o que faz com que o olhar dos dois sobre eles mude por causa desse vários testes que passam juntos.
São várias mulheres que gostam do protagonista, uma diferente da outra, porém ambas são lutadoras também. Engraçado ver o quanto que por mais que ele encontre feminilidade nas outras, ele nunca de fato nutre algum sentimento por elas. Do outro lado, Akane tem diversos pretendentes que têm características contrárias às de seu amado, ambos são gentis e veem ela desde o início como uma menina e mesmo assim ela também os rejeita. São esses esquetes de humor com os dois e mais personagens que faz a relação de ambos ir aos poucos ganhando forma.
O grande barato disso tudo no final das contas é como a mangaká de Inuyasha (1996) consegue, a partir da brincadeira com diversos gêneros, tecer todo um comentário sobre o quanto amar é em muitas vezes um ato contraditório. O desejos muitas vezes passam por uma repulsa daquilo que nós desejamos, e isso é muito evidente em Ranma ½ , pois temos um menino que sempre zoa o fato de sua amada ser uma “machona” com o tempo se apaixonando por ela, enquanto que ela já tendo visto Ranma como uma mulher várias vezes sendo extremamente convencido e arrogante, aos poucos também se apaixonando por ele. Esse amor que é nutrido por ambos parte de uma rejeição a certas noções de gênero, Ranma por estar na pele de uma moça tem repulsa por traços masculinos, e Akane por ser essa menina muito forte e sofrer desse preconceito procurar acentuar seus traços femininos.
Porém, o que faz um se apaixonar pelo outro é justamente essas características que tanto rejeitam, não à toa tem uma das aventuras deles onde Akane precisa salvar Ranma de um monstro gigante e as roupas que cada um vestem indicam bem isso. Ela com trajes tipicamente masculinos e ele em sua versão feminina com trajes femininos, o que já mostra o quanto que formalmente falando essa lógica dos sexos está muito presente. No fim das contas, a brincadeira de gêneros de Takahashi dá vida a um amor de contradições muito verdadeiro, divertido, engraçado mas acima de tudo muito honesto. Bom gente é isso, espero que tenham curtido, de recomendação eu deixo para vocês verem o mangá de Dandadan do Yukinobu Tatsu, que também explora esse amor contraditório de seu casal principal. Um abraço e até a próxima newsletter.